O futuro incerto das crianças refugiadas na Turquia.


Mais de 1,6 milhões de pessoas fugiram da Síria para a Turquia e a maioria vive sem acesso a qualquer tipo de apoio, apesar de algumas medidas positivas tomadas pelo Governo, num país que começou por recusar a ajuda das Nações Unidas, mas acabou por perceber que não tinha meios para combater uma crise tão grande. Muitos sírios não conseguem trabalho – as crianças, que recebem ainda menos do que os adultos, tornaram-se muitas vezes o único ganha-pão das famílias.
Uma família que os representantes da Anistia Internacional encontraram na província de Kilis, no Sul, sobrevive graças ao dinheiro que uma menina de dez anos e os seus três irmãos, de 14, 15 e 17 anos, conseguem ganhar. “Se estas crianças não trabalharem, vão morrer de fome”, diz o pai, um médico de Damasco. 
Outra família, que fugiu de Alepo em 2012, vive numa espécie de refúgio militar de cimento com duas divisões, um frigorífico e um lavatório numa delas, noutra vários colchões e cinco cobertores que um vizinho turco lhes deram, mais uma janela que nada mais é do que um buraco na parede. Pagam aluguél junto à fronteira: 300 liras turcas (cerca de R$ 350) por mês, que inclúe, água e electricidade.
O pai, que não consegue trabalho, plantou alguns vegetais no terreno, o que às vezes são o único alimento dos seus nove filhos e da avó destes, uma senhora com diabetes que não consegue sair da cama sem ajuda de alguém. Para sobreviverem, o pai e um dos filhos, de dez anos, Ibrahim (Pseudonimo), recolhem plástico de caixotes do lixo e depois levam até uma central de reciclagem para vender por 1 lira turca (cerca de R$ 1,15 ) cada meio quilo. Um irmão de Ibrahim, de 13 anos, transporta sacos de compras das lojas de um centro comercial até aos carros dos clientes.
Às vezes, Ibrahim trabalha sozinho, das 6h às 16h, porque o pai fica a ajudar a mãe, que deveria receber cuidados médicos, mas não consegue deslocar-se ao local onde poderia consultar um. Nos dias bons, os três juntos conseguem 15 liras (cerca de R$ 48,00) por dia. Das nove crianças, Ibrahim é o único que ocupa parte do seu tempo livre aprendendo a ler e escrever com um imã local. “Nenhúma”, foi o que Ibrahim respondeu quando os representantes lhe perguntaram qual era a melhor parte do seu dia.
Outros acamparam ao lado dos campos oficiais, na esperança que um dia haja vagas. A Anistia Internacional encontrou 150 a 200 pessoas a viver ao lado de um campo, em Akçakale, uma pequena vila na província de Sanliurfa, abrigadas junto a uma auto-estrada, protegidas pelo sol apenas por cobertores e lençóis presos a uma cerca de arame que à noite soltavam para se cobrir, quando se deitavam no chão. A única comida que tinham era a que os refugiados do campo reuniam para lhes entregar. “Muitos tinham doenças de pele e outros problemas de saúde que não podem a ser tratados.”
Quando os representantes da ONG visitaram estas pessoas, ouviram contar como fugiam a cada dois ou três dias, quando a polícia militar turca chegava e disparava para os dispersar. Duas semanas depois, numa segunda visita, os refugiados tinham desaparecido e um jornalista explicou que tinham sido “retirados dali, não se sabe para onde”.
Crianças de olhar vazio
Na mesma vila, um pouco mais longe do campo, duas dezenas de famílias vivem numa prisão abandonada e disseram estar ali há oito ou nove meses. E ainda em Akçakale, a ONG encontrou refugiados de Idlib e Alepo que estavam há 45 dias a viver em estruturas de cimento vazias, com três paredes e nenhuma porta. “Todas as crianças, incluindo um pequeno bebé, apresentaram problemas de pele na face, braços e pernas."

“Ao contrário de todas as outras crianças que os representantes da ONG encontraram na Turquia – incluindo as que vivem em circunstâncias particularmente difíceis –, as crianças deste local estavam sentadas imóveis, com um olhar vazio e rostos sombrios”, descreveram no relatório. Uma menina de oito anos que perdeu os pais num ataque em Alepo e agora é tratada pelo tio, parou de falar e o tio não encontra nenhum apoio psicológico para ela. “Todas estas crianças têm febre e diarreia e o calor as faz desmaiar quase que diariamente. Cada uma destas famílias sofreram muito e agora voltam a sofrer mais aqui”, declarou o tio.
Na primeira visita, em Julho, viviam cem pessoas nesta prisão, mas a Anistia sabe que com a chegada do Inverno esse número subirá para cerca de 500.   
Por vários motivos, incluindo a vontade de acreditar que esta seria uma crise temporária, a Turquia decidiu que enfrentaria sozinha a chegada de refugiados sírios. Uma atitude que começou a mudar. Hoje, o Governo aceita aconselhamento do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR) e pediu ajuda a esta agência para lidar com todos os refugiados que estão fora dos campos, mas continua a dificultar o registo de ONGs internacionais.
Fonte: Publico Pt

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